The Lurker - You gotta put one foot in front of the other.
A estrada chama. A vida, tornada simples em uma mochila e
uma câmera, reduzida em suas necessidades materiais ao que se pode levar às
costas. Fazia tempo que ela, estrada, caminho, passagem, via, sussurrava seus
encantos em meu ouvido... lembra-te de mim? porque me deixas-te? Não vês que te
espero? Sim. Eu conheço o canto da estrada. É sempre o mesmo, muda tão somente o
destino: O que há depois daquela esquina? E no final desta rua? É inútil
resistir ao chamado da estrada, que se transmuta em pessoas, experiências,
sabores, cores, vidas que só ela tem.
- Isso... vem... ela diz. Um passo depois do outro.
Já vou. Estou indo.
Agora já são alguns dias na estrada. Cada virada é uma
novidade e cada pausa uma reflexão, por vezes disfarçada na perfumada
xícara de café ou no pint de Guiness. Nesta madrugada, estou ativo novamente. A
chuva, fina e gelada, chega – companheira um tanto incômoda. O ruído delicado dos
pequenos pingos que se esfregam no capuz do abrigo impermeável fazem a rima, a suave
batida com o compasso do chapinhar da sola da bota contra a calçada molhada da
estação de trem. As gotas escorrem pelos óculos que me protegem os olhos do
contato com a água fria. O cansaço se instala ainda no meio da manhã, a mochila
pesa, a fome chega. Sigo andando. A sedução da estrada tem suas leis.
Paro para o ocasional registro do mundo como o vejo... o ancião,
o tocador de cítara, no agora amanhecer do domingo no bairro mourisco da cidade
antiga, perdida ao norte do Alicante. A senhora que prepara seus doces de nomes
incompreensíveis, aromas centenários e que me fala em dialeto de sons e acentos
inesperados, corrigindo-me o rumo que não quero certo. Matizes
de marrom, siena, amarelo e ocre nas paredes caiadas de muitos anos, cobertas
de anúncios das corridas de touros, descascados, descoloridos e velhos de meses
sob o sol, molhados agora da precipitação recém finda, nomeando matadores,
picadores e outros atores da chacina pública.
É uma pena que fotografias captem a luz e não os cheiros e
sons da igreja de San José, quando o padre passa à consagração. Ali paro – já são
dez horas e percebo que ainda não tomei meu café. São José era o santo de
devoção de minha mãe, que nasceu no dia dedicado a ele. Não posso deixar de
imaginar: de todos os caminhos e todas as igrejas pelas quais passei, e todas as
horas e dias, porque vim me achar justamente aqui? Os espíritas dizem
que não existem coincidências. Devem saber do que falam. E minha mãe me ensinou que a cada igreja nova que
se visita há um ritual a seguir. Eu sempre fui um filho obediente (bem, a ela, ao menos).
Sigo meu caminho, agora para o hotel, o descanso e uma refeição
quente – a estrada me aguarda amanhã novamente. E não se deve deixar uma dama
esperando.
The Lurker says - "'Cause nothin' lasts forever; Even cold November rain" (Guns 'n' Roses)
2 comentários:
Muito lindo! Parabéns!
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