maio 17, 2012


The Lurker - You gotta put one foot in front of the other.

A estrada chama. A vida, tornada simples em uma mochila e uma câmera, reduzida em suas necessidades materiais ao que se pode levar às costas. Fazia tempo que ela, estrada, caminho, passagem, via, sussurrava seus encantos em meu ouvido... lembra-te de mim? porque me deixas-te? Não vês que te espero? Sim. Eu conheço o canto da estrada. É sempre o mesmo, muda tão somente o destino: O que há depois daquela esquina? E no final desta rua? É inútil resistir ao chamado da estrada, que se transmuta em pessoas, experiências, sabores, cores, vidas que só ela tem.

- Isso... vem... ela diz. Um passo depois do outro.

Já vou. Estou indo.

Agora já são alguns dias na estrada. Cada virada é uma novidade e cada pausa  uma reflexão, por vezes disfarçada na perfumada xícara de café ou no pint de Guiness. Nesta madrugada, estou ativo novamente. A chuva, fina e gelada, chega – companheira um tanto incômoda. O ruído delicado dos pequenos pingos que se esfregam no capuz do abrigo impermeável fazem a rima, a suave batida com o compasso do chapinhar da sola da bota contra a calçada molhada da estação de trem. As gotas escorrem pelos óculos que me protegem os olhos do contato com a água fria. O cansaço se instala ainda no meio da manhã, a mochila pesa, a fome chega. Sigo andando. A sedução da estrada tem suas leis.


Paro para o ocasional registro do mundo como o vejo... o ancião, o tocador de cítara, no agora amanhecer do domingo no bairro mourisco da cidade antiga, perdida ao norte do Alicante. A senhora que prepara seus doces de nomes incompreensíveis, aromas centenários e que me fala em dialeto de sons e acentos  inesperados, corrigindo-me o rumo que não quero certo. Matizes de marrom, siena, amarelo e ocre nas paredes caiadas de muitos anos, cobertas de anúncios das corridas de touros, descascados, descoloridos e velhos de meses sob o sol, molhados agora da precipitação recém finda, nomeando matadores, picadores e outros atores da chacina pública.


É uma pena que fotografias captem a luz e não os cheiros e sons da igreja de San José, quando o padre passa à consagração. Ali paro – já são dez horas e percebo que ainda não tomei meu café. São José era o santo de devoção de minha mãe, que nasceu no dia dedicado a ele. Não posso deixar de imaginar: de todos os caminhos e todas as igrejas pelas quais passei, e todas as horas e dias, porque vim me achar justamente aqui? Os espíritas dizem que não existem coincidências. Devem saber do que falam. E minha mãe me ensinou que a cada igreja nova que se visita há um ritual a seguir. Eu sempre fui um filho obediente (bem, a ela, ao menos).

Sigo meu caminho, agora para o hotel, o descanso e uma refeição quente – a estrada me aguarda amanhã novamente. E não se deve deixar uma dama esperando.

The Lurker says - "'Cause nothin' lasts forever; Even cold November rain" (Guns 'n' Roses)

2 comentários:

wandrea marcinoni disse...

Muito lindo! Parabéns!

Anônimo disse...
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